quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Phillip Larkin - Aubade

Tra­ba­lho o dia todo e embebedo-me à noite.
Acor­dado às qua­tro da manhã, con­tem­plo a silen­ci­osa escu­ri­dão.
Logo mais a luz virá bor­de­jar as mar­gens das cor­ti­nas.
Entre­tanto vejo o que sem­pre lá esteve:
A incan­sá­vel morte, um dia inteiro mais perto agora,
Tor­nando impos­sí­vel pen­sar nou­tra coisa
Como, e onde, e quando eu pró­prio mor­re­rei.
Árida inter­ro­ga­ção: e toda­via o ter­ror
De mor­rer, e de estar morto,
Cin­tila, agu­lha que des­perta e hor­ro­riza.
Cla­rão a esva­ziar o espí­rito. Não pelo remorso
- O bem por fazer, o amor que não demos, o tempo
Des­per­di­çado — nem pelo desâ­nimo de uma só
Vida levar tanto tempo a per­cor­rer
Nunca se liber­tando, tal­vez, do seu errado começo;
Total e eterno vazio,
Essa certa extin­ção para que cami­nha­mos
E em que fica­re­mos per­di­dos, sem­pre. Não para estar aqui,
Nem em lado nenhum,
Muito em breve: nada mais ter­rí­vel, nada mais verdadeiro.
Esta é uma maneira espe­cial de ter medo.
Nenhum tru­que a apaga. A reli­gião tentou-o,
Vasto bro­cado musi­cal roído pela traça
Cri­ado para fin­gir que nunca mor­re­mos,
Equí­voco mate­rial que diz Nenhum ser raci­o­nal
Rece­ará o que nunca vai sen­tir,
sem ver
Que é isso o que faz medo – não ver, não ouvir
Não tocar, sabo­rear ou chei­rar, nada para pen­sar,
Nada para amar ou nos ligar­mos,
Anes­té­sico de que nin­guém regressa.
Fica só na finís­sima mar­gem da visão,
Pequena man­cha des­fo­cada, um frio per­sis­tente
Que trava cada impulso e con­vida à inde­ci­são.
Mui­tas coi­sas podem nunca acon­te­cer: esta acon­te­cerá,
E a sua com­pre­en­são irrompe
Como um vul­cão de medo quando nos apa­nha
Sem com­pa­nhia ou bebida. A cora­gem não serve:
É ape­nas para não assus­tar os outros. Ser valente
Não deixa nin­guém fora da sepul­tura.
Uivos de sofri­mento ou sereno con­fronto não mudam a morte.
Len­ta­mente a luz cresce e o quarto ganha forma.
Entra-nos pelos olhos, básico como um armá­rio, o que sabe­mos,
O que sem­pre sou­be­mos, que nunca esca­pa­re­mos,
Ainda que não o acei­te­mos. A esse encon­tro, não fal­ta­re­mos.
Entre­tanto os tele­fo­nes encolhem-se, pres­tes a tocar
Em escri­tó­rios cer­ra­dos, e um mundo insen­sí­vel
Intrin­cado e efé­mero começa a des­per­tar.
Um céu de branco sujo, sem sol.
O tra­ba­lho tem de ser feito.
Os car­tei­ros como os médi­cos vão de casa em casa.

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