quarta-feira, 13 de dezembro de 2017

As escassas horas em que me canso da infinidade de trabalhos de estética, arte e história e me refugio no mais recente livro da minha biblioteca pessoal e nas 75 páginas mais fantásticas que li nos últimos tempos: "Mandriice! Vicio! Preguicite aguda...! Ah! Lambisgoias todas bem vestidas, cavalheiros de barbicha, coscuvilheiras a cheirar a urina, e depois todos juntos, os nove décimos, a massa diante da qual nos inclinamos, vós que conservais o vosso equilíbrio com uma facilidade desconcertante só porque a única posição que conheceis é de barriga para baixo... Realmente dá-nos um certo gozo ouvir-vos resmungar. Vá lá! Vá lá! Falei-vos com toda a delicadeza. Isso não é para vós! Preocupem-se com o que sabem! Metam-se na vossa vida e deixem-nos em paz! Guardem para vós os vossos conselhos, censuras e compadecimentos. Tudo isso é falso, completamente falso. Não podereis compreender. Se fordes simpáticos, dir-vos-ei que, para conhecer o sentido do mundo, é preciso que ele vos tenha mostrado o cu. E ainda não haveis descido tão baixo para isso. Pela minha parte, venho de lá e orgulho-me disso. Estou blindado, imunizado para sempre. Vomitei para a consumação dos séculos; agora já nada mete medo. As náuseas são para os que descem, e não para os que sobem. Á força de ficar sozinho no meu canto, dei não sei quantas vezes a volta á minha caixa craniana, no interior, caminhando no tecto. É muito difícil, quando não estamos embrutecidos, ficarmos sozinhos connosco próprios. Precisamos de uma distração, de um amigo, de uma mulher, de um canário, ou então de muita imaginação. (...) Assim, contentei-me comigo próprio. É incrível o que um homem contém dentro de si. Criei todo um mundo com o que possuía no meu interior. Os que pensam que são espertos chamam a isso loucura; é uma palavra muito longínqua. Em verdade vos digo, eu, que venho desses lados, que se trata pura e simplesmente de autodefesa. Recomeça-se tudo com a imaginação, constrói-se a contrapartida. Quanto mais chateado se está, mais a cabeça trabalha. É uma coisa automática" Jean Meckert - Abismo e outros contos

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