quinta-feira, 15 de dezembro de 2016
"Emoção e Sentimento" por António Damásio
"Sem excepção, homens e mulheres de todas as idades, culturas, níveis de instrução e económicos têm emoções, atentam para as emoções dos outros, cultivam passatempos que manipulam as suas emoções e em grande medida governam as suas vidas procurando uma emoção, a felicidade, e procurando evitar emoções desagradáveis. À primeira vista, não existe nada caracteristicamente humano nas emoções, pois é claro que numerosas criaturas não humanas têm emoções em abundância; entretanto, existe algo acentuadamente característico no modo como as emoções vincularam-se as ideias, valores, princípios e juízos complexos que só os seres humanos podem ter, e é nessa vinculação que se baseia a nossa sensata percepção de que a emoção humana é especial.
(…)
Alguns leitores podem ficar intrigados com a distinção entre “sentir” e “saber que temos um sentimento”. O estado de sentir não implica, necessariamente, que o organismo que sente tem plena consciência da emoção e do sentimento que estão a acontecer? Estou a supor que não, que um organismo pode representar em padrões neurais e mentais o estado que nós, criaturas conscientes, denominamos sentimento, sem jamais saber que existe sentimento. É difícil conceber essa separação, não apenas porque os significados tradicionais das palavras bloqueiam a nossa visão, mas porque tendemos a ter consciência dos nossos sentimentos. Contudo, não há evidência alguma de que temos ciência de todos os nossos sentimentos, mas há muitos indícios de que não. Por exemplo, em determinada situação, com frequência damo-nos conta, de repente, de que estamos ansiosos ou inquietos, satisfeitos ou descontraídos, e é evidente que o estado de sentimento específico do qual tomamos conhecimento nesse instante não começou no momento em que foi conhecido, e sim algum tempo antes. Nem o estado de sentimento nem a emoção que conduziu a ele se tinham manifestado “na consciência”, e mesmo assim estavam a ocorrer como processos biológicos. Essas distinções podem parecer artificiais à primeira vista, embora o meu intuito não seja complicar algo simples, mas dividir algo muito complexo em partes mais facilmente abordáveis. Com o propósito de investigar esses fenómenos, separo três estágios de processamento que fazem parte de um continuum: um estado de emoção, que pode ser desencadeado e executado inconscientemente; um estado de sentimento, que pode ser representado inconscientemente, e um estado de sentimento tornado consciente, isto é, que é conhecido pelo organismo que está a ter emoção e sentimento. Creio que essas distinções são úteis quando tentamos imaginar os fundamentos neurais dessa cadeia de eventos que ocorrem nos seres humanos. Além disso, imagino que algumas criaturas não humanas que exibem emoções, mas que provavelmente não têm o tipo de consciência que possuímos, podem muito bem formar as representações que denominamos sentimentos sem saber que fazem isso. Alguém poderia sugerir que talvez devêssemos ter uma outra palavra para designar os “sentimentos que não são conscientes”, mas não temos nenhuma. A alternativa mais aproximada é explicar o que queremos dizer.
Em suma, a consciência tem de estar presente para que os sentimentos influenciem o indivíduo que os tem, além do aqui e agora imediato. A relevância desse facto — de que as consequências supremas da emoção e do sentimento humano giram em torno da consciência — não foi adequadamente aquilatada (a estranha história das pesquisas sobre emoção e sentimento, mencionada adiante, possivelmente é a causa dessa negligência). A emoção provavelmente havia se estabelecido na evolução antes do aparecimento da consciência, e emerge em cada um de nós como resultado de indutores que com frequência não reconhecemos conscientemente; por outro lado, os sentimentos produzem os seus efeitos supremos e duradouros no teatro da mente consciente (…)"
in “O mistério da consciência: Do corpo e das emoções ao conhecimento de si”
António Damásio, neurologista e neurocientista
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